O bioma caatinga e o dever de preservá-lo :: Por DOM João José Costa

DOM JO?O JOS? COSTA - ARCEBISPO METROPOLITANO DE ARACAJU (Foto: arquivo pessoal)
O bioma sobre o qual nós discorremos é rico em espécies animais, ao contrário do que se poderia pensar. São quase 180 espécies de mamíferos, quase 600 tipos de aves, mais de 170 tipos de répteis, quase 80 espécies de anfíbios, mais de 240 classes de peixes, e mais de 220 espécies de abelhas. Uma diversidade fabulosa, quando se sabe que a sua flora é duramente castigada pelos constantes períodos de estiagens, como, por exemplo, o que estamos vivendo nos últimos meses. Castigada a flora, a fauna também sofre. E sofre o homem no seu habitat natural.
Como os demais biomas, a Caatinga tem sofrido de forma absurda a ação do homem, que a destrói, especialmente para a lavoura e o pastoreio. Nesse sentido, o sociólogo Gilberto Freire já dissera que o machado e o fogo foram grandes aliados do homem. E que, aos poucos, o homem “invasor”, o que veio de fora para ali se estabelecer e produzir perdeu até mesmo os nomes das árvores, que os habitantes primitivos, os índios, tinham em grande conta. Daí porque se passou a designar as árvores de “pés de pau”, genericamente. O homem colonizador perdeu a identidade com a natureza.
Deus, em sua infinita bondade, nos deu um paraíso. Toda a Terra era, no início, tão abundante de vida vegetal e animal! Um fervilhar de seres estava na água, em terra e nos ares, como lemos no Gênesis. O homem, criatura superior, foi posto na natureza para dela cuidar, tirando o suficiente para o seu sustento e o seu abrigo. O Verbo que se fez carne e habitou entre nós, o Deus que se revelou aos homens, exortou os seus seguidores, em seus tão preciosos ensinamentos, para que olhassem as aves do céu e os lírios do campo (Mt 6,26;28). O contexto do ensinamento de Jesus, nesse caso, é outro, é chamar a atenção dos homens e das mulheres para a desnecessidade de suas vãs preocupações. Deus tudo provê. Porém, podemos destacar também o fato de o Filho de Deus nos exortar para a contemplação da obra divina, naquela sua fala em que se refere às flores e aos pássaros. Contemplando a obra de Deus, nós somos despertados para a necessidade de sua preservação.
No bioma Caatinga está um dos mais valorosos, destemidos e sofridos representante do povo brasileiro: o sertanejo. Vaqueiro, lavrador, extrativista. Homem de luta e de fé. Com sua mulher e filhos. “Vidas secas” como bem dissera Graciliano Ramos. Na Caatinga o sol inclemente transforma bichos e homens numa coisa só, a bem dizer, nos tempos brabos de seca. Todos sofrem. Todos procuram sobreviver. A inclemência da vida difícil, ali por vezes vivida, faz do sertanejo, antes de tudo, um forte, como escreveu Euclides da Cunha. Na Caatinga, homens e mulheres entregam-se, debaixo de Deus, aos cuidados espirituais do Padre Cícero do Juazeiro. Devoção que não cessa, mas, que, ao contrário, assume maiores proporções a cada dia. São os romeiros e as romeiras do “meu Padim Ciço”. Dentre outras devoções.
Ciclos econômicos percorreram a Caatinga. Primeiro, foi o ciclo do gado. O couro das rezes teve larga serventia. Depois, foi a vez do ciclo do algodão. Do bom algodão do tipo “mocó”, como era chamado. Nalgumas áreas, o ciclo do extrativismo. O ser humano fincou suas raízes na Caatinga. Dela só sai no último caso. Quem pode esquecer as muitas canções de Luiz Gonzaga reportando-se ao sertão e aos sertanejos? Gonzaga e tantos outros cantores do Nordeste, que traduziram em letras e melodias, as proezas, os folguedos, as alegrias, os queixumes, as dores e tudo o mais. Sim, e a fé! Não nos esqueçamos da fé rústica, porém, firme, bem alicerçada, do povo da Caatinga. Das procissões, dos acompanhamentos, das novenas etc.
Que Deus vele por esse bioma tão devastado. Que Ele vele por seus filhos e filhas que nesse bioma continuam lutando para sobreviver. Que o destino do rio São Francisco, um verdadeiro presente de Deus para o semiárido, não seja o esgotamento de suas forças, que ainda movem tantas hidrelétricas e servem a milhões de pessoas. Preservar a Caatinga é nosso dever. Que a Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo interceda por nós para que sejamos, sim, preservadores do bioma Caatinga. Aliás, a palavra “carmelo” significa “jardim”. Que a Caatinga possa resistir e se transformar num imenso e belo jardim. E que venham as chuvas tão necessárias.
Que a bênção do Pai, do Filho e do Espírito Santo recaia sobre cada um e sobre cada uma que fazem do bioma Caatinga o seu habitat. Louvado seja!
DOM JOÃO JOSÉ COSTA - ARCEBISPO METROPOLITANO DE ARACAJU
Publicado no Jornal da Cidade, edição de 01/04/2017. Postagem autorizada pelo autor.