Aracaju (SE), 29 de maio de 2025
POR: Redação Univates
Fonte: Assessoria de Imprensa/Univates
Em: 27/05/2025 às 15:34
Pub.: 27 de maio de 2025

Descobertas arqueológicas revelam hábitos alimentares e sociais dos Guarani pré-coloniais no Sul do Brasil

A pesquisa analisou 472 vestígios botânicos carbonizados coletados em Marques de Souza 

Mapa hipsométrico da Bacia do Rio Taquari-Antas (delimitada em branco) e adjacências. Sítios Guaraní em círculos brancos. Sítio RS-T-114 destacado com ponto preto central - Foto: Assessoria de Imprensa/Univates

Um estudo recente publicado como capítulo de livro e intitulado "Cultivo e consumo de plantas entre os Guarani pré-coloniais do Sul do Brasil: uma contribuição a partir de vestígios carpológicos", trouxe à luz novos dados sobre a vida dos povos Guarani que habitavam a região do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, entre os séculos 14 e 19. O estudo é liderado pela pesquisadora Fernanda Schneider (Univates). Além dela, assinam o texto Rafael Corteletti (UFPel), Elisete Maria de Freitas (Univates), Daniel Marcelo Loponte (Conicet/Argentina), Neli Teresinha Galarce Machado (Univates). 

A pesquisa, que analisou 472 vestígios botânicos carbonizados identificados no sítio arqueológico RS-T-114, revelou detalhes sobre a dieta, o cultivo e as antigas práticas sociais dos grupos Guarani. O texto faz parte do livro “20 anos de Arqueobotânica no Brasil: uma disciplina em ascensão”, organizado pelos pesquisadores do Museu Nacional Rita Scheel-Ybert, Leidiana Mota, Leonardo Azevedo, Taís Capucho, Giovana Cadorin e Mayara Lima. 

A Importância do milho e a diversidade de plantas  

Os vestígios carpológicos, preservados por carbonização, indicaram a presença de 13 tipos vegetais, sendo três cultivados: Zea mays (milho), Phaseolus vulgaris (feijão-comum) e Phaseolus lunatus (feijão-fava). 

Outros três foram classificados como possivelmente cultivados, incluindo sementes dos gêneros Phaseolus sp. (feijões) e Manihot sp. (mandioca) e da família Cucurbitaceae (possivelmente algum tipo de melão nativo). Sete tipos de plantas silvestres também foram identificados, como Ceiba speciosa (paineira), Syagrus romanzoffiana (jerivá), Enterolobium contortisiliquum (timbaúva) e Dicksonia sp. (xaxim), evidenciando o uso combinado de recursos agrícolas e florestais.

O milho foi o destaque da amostra, representando cerca de 75% dos vestígios identificados. Essa predominância sugere que o cereal era um pilar da dieta Guarani, utilizado para alimentação, mas também em rituais e festins. As análises morfológicas das cariopses (veja definição ao fim do texto) de milho sugerem três variedades distintas, indicando um conhecimento avançado de cultivo e seleção de sementes.

Contexto histórico e expansão Guarani  

Classificações utilizadas para avaliação da degradação do pericarpo das cariopses de milho. Da esquerda para a direita: intacto; semi-intacto; semi-degradado; degradado (a). Critérios de fragmentação utilizados para o estabelecimento do NMI das cariopses de Zea mays (b) - Foto: Assessoria de Imprensa/Univates 

Os Guarani, falantes de uma língua da família Tupi-Guarani, originaram-se na Amazônia e expandiram-se por um vasto território que abrange a Mata Atlântica, o Cerrado, o Chaco e o Pampa. Essa expansão, impulsionada por fatores ecológicos, demográficos e conflitos, resultou em interações complexas com outros povos e no transporte de espécies vegetais por longas distâncias. Neste último aspecto, os Guarani tinham destaque, sendo hoje reconhecidos pelo vasto conhecimento botânico adquirido ao longo de milênios. 

O sítio RS-T-114, localizado às margens do Rio Forqueta, em Marques de Souza, é testemunho dessa longa e ampla expansão territorial. A aldeia foi ocupada antes da chegada dos colonizadores europeus, com datas que variam entre 1324 a 1809 d.C, e os cultivos encontrados, como o milho, os feijões e provavelmente a mandioca, são os registros mais antigos de plantas domesticadas para a Bacia do Taquari-Antas. Tudo indica que elas foram trazidas já domesticadas da Amazônia, transportadas a longas distâncias e durante muitos séculos a partir do manejo aldeia-a-aldeia, acompanhadas de centenas de outras espécies botânicas. 

Funcionalidade dos espaços e práticas sociais  

Taxa identificados. Fragmento de espiga de Zea mays (a) e cariopses (b-e), cotilédone de Phaseolus vulgaris (f), semente de Phaseolus sp. (g), semente de cf. P. lunatus (h), cotilédone de Ceiba speciosa (i), cápsula de semente de cf. Manihot sp. (j), semente de Cucurbitaceae tipo 1 (k), cotilédones de Fabaceae tipo 1 (l), semente de Lauraceae tipo 1 (m), semente de Enterolobium contortisiliquum (n-o), fibras de Dicksonia sp. (p) e endocarpos de Syagrus romanzoffiana (q-s) - Foto: Assessoria de Imprensa/Univates

Durante as escavações arqueológicas do sítio RS-T-114, o perímetro de aparecimento de vestígios foi dividido em duas áreas principais: a Área 1, interpretada como um local de descarte, ou seja, uma antiga lixeira da aldeia, devido à alta densidade de fragmentos cerâmicos, líticos e bioarqueológicos; e a Área 2, interpretada como uma área onde as atividades sociais e rituais da aldeia aconteciam. Esta última apresentou uma quantidade significativa de cerâmicas pintadas, incluindo tigelas do tipo kambuchi kaguava, usadas para servir bebidas fermentadas em festins. Além disso, a descoberta de 21 adornos labiais (tembetá) em quartzo hialino reforça a ideia de que a Área 2 era um espaço de convívio e cerimônias.

A predominância do milho na amostra pode estar ligada a essas atividades rituais. Entre os Guarani, o milho era importante para festivais como o avatikyry avati hemongarai (festa anual do milho) e o kunumi pepy, ritual de passagem dos meninos para a vida adulta, que envolvia o consumo de bebidas fermentadas à base de milho e a colocação do primeiro tembetá. Essas práticas, documentadas etnograficamente, sugerem que o milho tinha um valor simbólico e social que transcendia sua função alimentar.

Manejo florestal e sustentabilidade  

Além dos cultivos, os Guarani do RS-T-114 utilizavam plantas silvestres da Mata Atlântica para diversos fins. A paineira (Ceiba speciosa), por exemplo, fornecia fibras para artefatos e suas folhas jovens eram consumidas. A timbaúva (Enterolobium contortisiliquum) era usada na pesca pelo seu poder ictiotóxico (intoxicação de peixes) e em medicamentos, enquanto a palmeira jerivá (Syagrus romanzoffiana) tinha importância econômica e cosmológica, aparecendo em mitos de fundação e na seleção de locais para cultivo.

Perspectivas futuras 

A pesquisa destacou a complexidade do sistema agrícola Guarani, que combinava cultivos domesticados com o manejo sustentável da floresta. Apesar da baixa variedade taxonômica nos vestígios em comparação com registros etnográficos, os resultados sugerem que a amostra reflete atividades específicas, como festins, em vez do cotidiano doméstico. Futuros estudos, incluindo análises de fitólitos e grãos de amido, podem ampliar o entendimento sobre o uso de tubérculos e raízes, pouco representados nos vestígios carbonizados.

Glossário

Confira a explicação e a definição de termos e conceitos presentes neste texto 

  • Arqueobotânica = uma especialidade da arqueologia que estuda restos de plantas e algas encontrados em sítios arqueológicos. O objetivo é compreender a relação entre os grupos humanos e as plantas no passado.
  • Cariopse = designação dada em botânica a um tipo de fruto que apresenta a semente soldada ao pericarpo em toda a sua extensão. 
  • Cotilédone = cotilédone é uma folha embrionária que surge dos embriões das espermatófitas, irrompendo durante a germinação das sementes
  • Carpologia = estudo de sementes. 
  • Ictiotóxico = tóxico para peixes. 
  • Pericarpo = a parede de um ovário maduro, formada pelo epicarpo, o mesocarpo e o endocarpo, e que constitui o próprio fruto, excluindo as sementes; pericárpio.


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