Esperança na Ética :: Por José Lima Santana
Pe. José Lima Santana*

José Lima Santana - Foto: Arquivo Pessoal
Para Álvaro L. M. Valls a “ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de explicar quando alguém pergunta”. De qualquer forma, Valls dá-nos esta apreciação sobre o problema: “Tradicionalmente, ela é entendida como um estudo ou uma reflexão, científica ou filosófica, e eventualmente teológica, sobre os costumes ou sobre as ações humanas [...]. A ética pode ser o estudo das ações ou dos costumes, e pode ser a própria realização de um tipo de comportamento” (2008, p. 7).
Um dos pilares do estudo da Ética diz respeito à liberdade humana. Considerando o problema da liberdade, aparecem sempre as questões relativas ao bem e ao mal, como também da consciência moral e da lei, além de vários outros aspectos similares. Entretanto, didaticamente, alguns autores separam os problemas da ética em dois campos, a saber: 1) problemas gerais e fundamentais: liberdade, consciência, bem, valor, lei etc. 2) problemas específicos, de aplicação concreta, como os problemas de ética profissional, de ética política, de ética sexual, de ética matrimonial, de bioética etc.
Essa divisão é meramente didática ou acadêmica, pois no plano da vida real não há essa separação. A Ética constitui, pois, um todo a ser analisado e discutido. Uma situação que deve sempre ser levada em conta é o que se refere à transformação da sociedade. Entende-se que “os valores éticos podem se transformar, assim como a sociedade se transforma” (Valls, 2008, p. 11). Põe-se na mesa o relativismo ético, que, para alguns, seria extremamente perigoso.
O relativismo ético leva ao individualismo por meio de ideologias vazias de fundamento. As ideologias trazem o caminho aberto para o individualismo, que fazem surgir novas formas de conduta. Afinal, o individualismo sobrepõe o indivíduo à coletividade, como diz Russ: “Quando se desenvolvem as ideologias, então nascem as formas contemporâneas do individualismo, propícias ao aparecimento de novas regras de conduta. O que é o individualismo? Uma atitude que privilegia o indivíduo em relação à coletividade. Quando se desbaratam, com efeito, os discursos globalizantes, no seio de uma modernidade que repele o transcendente e as teleologias, é o indivíduo que se torna valor supremo. Certamente, as primeiras formas do individualismo são muito anteriores às que aparecem nas nossas sociedades e já no fim do século XIX, Nietzsche diagnosticava formações individualistas” (2011, p. 14).
A autora citada faz notar o que disse Nietzsche sobre o que ele entendia por individualismo, no século XIX: “O individualismo é uma variedade modesta e ainda inconsciente da vontade de poder; aqui o indivíduo se contenta em se libertar da dominação da sociedade (quer seja a do Estado ou a da Igreja)” (Russ, 2011, p. 14).
A visão do sábio alemão era sobre o individualismo do seu tempo (século XIX, como visto), “que aparecia ainda como uma conquista: uma libertação das diversas formas de poder ou de participação social, diz Russ (2011, p.14). Todavia, esta autora vai além e dá-nos uma explicitação acerca do individualismo dos nossos dias: “O individualismo contemporâneo, descrito, em particular, por Gilles Lipovetsky, no L’ère du vide (A era do vazio), não designa um triunfo da individualidade em face das regras constrangedoras, mas a realização de indivíduos estranhos às disciplinas, às regras, aos constrangimentos diversos” (2011, p. 14-15).
Ora, mas em que consiste esse novo individualismo? Vejamos: “O que encontramos neste individualismo contemporâneo? As delícias do narcisismo, bem mais que o acesso à conquista da liberdade. Promoção de valores hedonistas, permissivos, psicologistas, culto da “desconstrução”, vinculação às particularidades idiossincráticas, eis o que se esboça na idade pós-moderna. Assim, entramos nessa era do narcisismo” (Russ, 2011, p. 15).
Se prestarmos bem a atenção, veremos esse individualismo latente em torno de nós, em particular no nosso País, a partir de pessoas que se apresentam como líderes políticos, religiosos, ou de outras searas.
Eis, a seguir, uma pergunta intrigante a esperar uma boa resposta, nessa era dos vazios. Caminhamos para a universalização do individualismo? Há meios para contê-lo? Eticamente, o que essa presumível universalização representaria ou representará? Vejamos: “Na era dos homens “vazios”, votados às escolhas privadas, e narcisistas, é possível redescobrir uma macroética, válida para a humanidade no seu conjunto? Se o individualismo configura nossa modernidade avançada, se a sociedade é assim atomizada
numa poeira infinita de “Narciso”, como requer então, para a ética, um princípio que possua uma validez universal?” (Russ, 2011, p. 15-16).
Precisamos acordar. A política de “interesses”, posta em ação por vários segmentos políticos de direita ou de esquerda, tem causado um mal absurdo ao Brasil. A anestesia lançada pelos ditos “líderes” narcisistas tem atrofiado a luta pela expressão maior da cidadania e da dignidade da pessoa humana. Mas, todos eles passarão e nós, cidadãos e cidadãs, ficaremos. A cidadania não passa. Ela ferve, ela vive.
Referências: 1) Russ, Jacqueline. Pensamento Ético Contemporâneo. Tradução de Constança Marcondes César. 5 ed. São Paulo: Paulus, 2011. 2) Valls, Álvaro L. M. O Que é Ética. 1 ed. 24 reimpressão. São Paulo: Editora Brasiliense, 2008.
*Padre (Paróquia Santa Dulce dos Pobres – Aruana - Aracaju), advogado, professor da UFS, membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE.