Professor espanhol diz que polarização leva à "lógica irracional da política"
Convidado para dois eventos na Unit, em Aracaju, o especialista Sergio Caballero analisa o fenômeno da polarização política e o desgaste das instituições no Brasil e em outros países.
O professor espanhol Sergio Caballero, da Universidad de Deusto, foi palestrante convidado de dois eventos promovidos pela Universidade Tiradentes - Foto: Asscom Unit
O que explica a polarização política exacerbada no Brasil? Muitas respostas foram trazidas pelo espanhol Sergio Caballero, considerado um dos principais especialistas que investigam o tema em todo o mundo. Doutor em Relações Internacionais e professor da Universidad de Deusto, em Bilbao (Espanha), na qual também é diretor da Cátedra Unesco para a América Latina, ele esteve em Aracaju ao longo desta semana, como convidado de dois eventos promovidos pela Universidade Tiradentes (Unit), com alunos de graduação em Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PPGD).
Nestes eventos, Caballero tratou principalmente dos fenômenos relacionados à rivalidade entre grupos políticos de esquerda e de direita, que vem se acrirrando bastante nos últimos anos e influenciando as conjunturas políticas de vários países, sobretudo na Europa e na América Latina. No Brasil, a polarização se formou em torno dos apoiadores do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), enfraquecendo o protagonismo de partidos da centro-direita, como o PSDB.
Além desse, outros exemplos evocados por Sergio são o dos Estados Unidos, onde apoiadores do ex-presidente Donald Trump rivalizam com o Partido Democrata do atual presidente Joe Biden, e o da própria Espanha, onde a formação de partidos mais radicais, como o ultradireitista Vox e o esquerdista Podemos, quebrou a hegemonia bipartidária entre PP (centro-direita) e PSOE (centro-esquerda) que vigorava no país desde 1982. Em comum, segundo ele, está o desgaste das instituições e a consequente ruptura de regimes ou sistemas de partidos que conferem estabilidade política, mediante a crença de que elas não lhes representam mais.
Segundo o professor, a ideia de polarização vem ganhando corpo em sociedades nas quais a relação entre as populações e os setores institucionais, como o Poder Público e os partidos políticos tradicionais, foi ficando desgastada em critérios como credibilidade e representatividade. E isso deságua no que Sérgio chama de polarização psicossocial. “É um fenômeno que está acontecendo em todas as democracias do mundo, e é um tema que temos que abordar com atenção. O Brasil, infelizmente, é também um ótimo exemplo onde essa polarização política está tendo lugar”, afirma.
Este assunto é tema de uma pesquisa na qual Caballero está trabalhando atualmente, ao lado do argentino Diego Crescentino, professor da Universidad Autónoma de Madrid (UAM). Nela, os dois buscam entender o comportamento das sociedades onde a polarização política está mais acirrada. “O que nos interessa é tentar ver como as sociedades que não se sentem representadas por democracias, em que há uma crise em relação aos resultados que oferecem os organismos estatais, começam a desenvolver uma sorte de desafeição sociopolítica, e isso leva a uma visão emocional e irracional da lógica política”, observa o espanhol, comparando esse comportamento ao das torcidas de futebol. “Nele, queremos que o nosso time ganhe, mesmo que jogue mal ou que seja de maneira injusta, e deslegitimamos o adversário, o qual, em todo caso, queremos que perca”, traduziu.
Protagonismo
Outro tema abordado por Sérgio Caballero nos encontros da Unit foi o protagonismo do Brasil como líder do chamado Sul Global, que busca representar os interesses dos países do Hemisfério Sul e do que antigamente era chamado de “Terceiro Mundo”. Estes países, segundo ele, buscam exercer um papel de resistência diante das agendas impostas pelas grandes potências mundiais, aspirando uma maior capacidade de tomada de decisão no cenário internacional.
“O caso do Brasil é especialmente importante, porque, sobretudo nos dois primeiros mandatos de Lula da Silva, de 2003 a 2010, ele tentou exercer uma liderança no Sul Global. Posteriormente, com os mandatos de Dilma [Rousseff], [Michel] Temer e [Jair] Bolsonaro, claramente rompeu com qualquer ideia de se dirigir como líder do bloco. Portanto, o Brasil está em uma situação em que tem que se definir qual é o seu papel no mundo, sua identidade no mundo e se quer se manifestar como um líder do Sul Global ou não. Eu acho que aí pode ter muita margem para desenvolver sua política exterior”, avaliou Caballero.
Parceria
A vinda do professor espanhol para a Universidade Tiradentes foi possível através da parceria desde 2018 com a Universidad de Deusto, uma das principais instituições privadas de ensino superior da Espanha. Desde então, professores e pesquisadores das duas universidades vêm participando de pesquisas conjuntas e outras atividades de intercâmbio e mobilidade acadêmica, além de defesas de dissertações e bancas de qualificação para mestrado e doutorado.
A expectativa é de que, daqui para frente, a parceria seja cada vez mais fortalecida, com atividades de intercâmbio e visitas de professores e dirigentes da Unit aos campi de Deusto, situados nas cidades espanholas de Bilbao, San Sebastian e Madri. “Isso é uma ação importantíssima de internacionalização. Estamos trabalhando para fortalecer várias outras parcerias, recebendo nossos professores lá para fazer o estágio de pós-doutoramento”, diz a coordenadora do PPGD, professora Grazielle Borges de Carvalho.