Aracaju (SE), 24 de novembro de 2025
POR: Laís Marques
Fonte: Ascom Unit
Em: 24/11/2025 às 15:48
Pub.: 24 de novembro de 2025

Danos espirituais em conflitos por terras indígenas são analisados por pesquisadora

Pesquisa de mestrado analisa como violações territoriais afetam práticas culturais e identidades, indicando a necessidade de reparação que vá além da compensação material

Danos espirituais em conflitos por terras indígenas são analisados por pesquisadora - Foto: Ascom Unit

A disputa por terras indígenas no Brasil envolve mais do que interesses econômicos ou políticos: toca na essência da identidade das comunidades originárias. A perda desses territórios não se restringe a prejuízos materiais, mas também causa rupturas profundas em práticas culturais, crenças e vínculos espirituais que sustentam a vida coletiva dessas populações.

É essa dimensão intangível das violações que motivou a pesquisa de mestrado de Ana Clara Raimar Santos Silva, bolsista da CAPES no programa de Pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes (Unit). “Meu estudo foca no dano espiritual como uma categoria emergente de violação de direitos humanos. Ele vai além do sofrimento material ou psicológico e alcança aspectos culturais, simbólicos e identitários, muitas vezes negligenciados nas reparações convencionais”, explica.

O tema, ainda pouco explorado no Direito brasileiro, evidencia como a jurisprudência nacional nem sempre consegue abarcar a profundidade da dor coletiva causada pela negação de demarcações, exploração ilegal de recursos naturais ou omissão do Estado. Para Ana Clara, essas lacunas mostram a importância de considerar a dimensão espiritual nas decisões judiciais.

Jurisprudência nacional e precedentes internacionais

O estudo de Ana Clara teve como base uma pesquisa de Iniciação Científica, em que foram analisadas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre violação de direitos indígenas. “Essa pesquisa inicial revelou que o tratamento jurídico no Brasil se concentra majoritariamente em danos econômicos ou físicos, deixando de lado a dimensão espiritual e cultural. No mestrado, busquei observar como o sistema interamericano reconhece essas dimensões invisíveis da dor coletiva”, detalha.

Casos emblemáticos ajudam a contextualizar a questão. No Brasil, o Caso Raposa Serra do Sol (Pet 3.388) evidenciou o conflito entre direitos originários e interesses econômicos e políticos. Internacionalmente, decisões como o Caso da Comunidade Moiwana vs. Suriname e o Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai, julgadas pela Corte Interamericana, reconheceram danos existenciais causados pela perda de territórios e pela impossibilidade de exercer práticas culturais e espirituais.

Segundo Ana Clara, esses precedentes são fundamentais para ampliar a compreensão sobre reparação integral. “O sistema jurídico brasileiro ainda privilegia abordagens materialistas. Embora haja avanços pontuais, como o reconhecimento da imprescritibilidade do dano ambiental, a sensibilidade intercultural e o reconhecimento de danos espirituais ainda são limitados”, avalia.

Além da materialidade: a reparação integral

A pesquisa aponta que a justiça não pode se restringir a compensações financeiras ou medidas administrativas. É necessário incluir na análise jurídica a dimensão simbólica e espiritual do sofrimento. “O mais marcante ao aprofundar no tema foi perceber como o sofrimento espiritual e cultural é real, mas invisível nos processos judiciais. Dar voz ao que foi silenciado e reconhecer o que foi desconsiderado é o núcleo do meu trabalho”, comenta Ana Clara.

O impacto dessa perspectiva vai além do acadêmico. “Do ponto de vista científico, a pesquisa fortalece o diálogo entre Direitos Humanos, Antropologia Jurídica e Direito Internacional, oferecendo novas interpretações. No campo jurídico, pode inspirar práticas mais sensíveis e efetivas de justiça transicional e socioambiental, incorporando a dimensão espiritual nas reparações”, acrescenta.

Apesar da relevância do tema, os desafios são grandes. Além da falta de dados atualizados, há resistência institucional em reconhecer os direitos culturais e espirituais como direitos humanos fundamentais, o que exige da pesquisadora um cuidado ético ao lidar com identidades e espiritualidades sem reduzi-las a categorias jurídicas rígidas.

Trajetória acadêmica e próximos passos

O interesse pelo tema surgiu durante a Iniciação Científica de Ana Clara, quando investigou o tratamento jurídico dos direitos indígenas no Brasil. “Sempre me chamou atenção como o Direito pode tanto reparar quanto invisibilizar dores coletivas. Ao estudar decisões do STF, percebi que muitas vezes elas não consideram a profundidade simbólica e espiritual dos danos”, explica.

O mestrado na Unit possibilitou aprofundar essa análise e dialogar com o sistema interamericano, consolidando o interesse da pesquisadora em ampliar a justiça para além da materialidade. Para o futuro, Ana Clara pretende seguir na docência e pesquisa, desenvolvendo um doutorado que explore a intersecção entre justiça ecológica, espiritualidade e reparação simbólica, combinando Direito, Filosofia e Antropologia.

“Quero criar novas possibilidades de justiça que reconheçam não apenas o material, mas também o simbólico e espiritual como parte essencial da reparação. Esse é o caminho para uma proteção mais completa dos povos originários”, conclui.

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