Eu Tive Um Irmão :: Por Silvio Santos
Sou filho único. Vivi até os 25 anos sem saber os ônus e bônus de ter um irmão. Às vezes, menino ainda, quando tinha que enfrentar na porrada os arruaceiros da Rua do Quiço ou os malacos do Grupo Escolar Coelho e Campos sentia falta do irmão que não tinha. Mas quando chegava em casa e recebia o monopólio das atenções e cuidados dava graças a Deus não tê-lo.

José Eduardo Dutra e Silvio Santos (Foto: Arquivo pessoal/ Silvio Santos)
O tempo passou e eu já estava acostumado a não ter irmão quando fui apresentado ao Mineiro. Foi num ato público realizado por sindicalistas na praça Tobias Barreto no início dos anos 80. Em princípio pensei que o nome Mineiro era porque ele trabalhava na mineradora Petromisa. Depois descobri que era em virtude de ser de Minas Gerais. Rapaz estranho. Jeitão de mórmon.
Saímos dali para tomarmos uma cerveja no Saneamente, boteco frequentado por esquerdistas e jornalistas. Conversa vai, conversa vem fui descobrindo afinidades e traços familiares no Mineiro. Já na primeira conversa descobrimos que torcíamos para o mesmo time. Botafogo. Quem gosta de futebol e já leu Nélson Rodrigues sabe o que é ser Botafoguense. Daí saberá o tipo de solidariedade que surge quando botafoguenses se encontram. Na segunda cerveja já estávamos discutindo a lista dos 10 maiores guitarristas do mundo. Sim, nós éramos roqueiros. Num ambiente de gente que só ouvia Mercedes Sosa, Vitor Jara, Silvio Rodriguez, Geraldo Vandré e todos que cantavam música de protesto, nós preferíamos protestar com o velho e bom rock’n roll de The Who, Led Zeppelin, Pink Floyd, Eric Clapton, etc.
Anos depois, viajando juntos pela Europa, estávamos em Barcelona tomando um Moscatel no balcão da Taberna da Vina, um boteco pé sujo - sim, nós adorávamos botecos - perto de Las Ramblas. Começamos a falar dos porres com Moscatel em nossa adolescência antes de nos conhecermos. Eu em Capela/SE, ele em Caputira/MG. Descobrimos ali, na CAtalunha, que o universo conspirava a favor da amizade fraterna entre aqueles rapazes de CApela e de CAputira. Denominamos a coincidência de Conexão Moscatel.
Desde aquela primeira cerveja no Saneamente percorremos todos os caminhos juntos. Contribuímos na construção da CUT e do PT em Sergipe e no Brasil, ajudamos a derrubar a ditadura, lutamos pela redemocratização do nosso país e estivemos a frente de todas as lutas do povo brasileiro nesse período.
O Mineiro se tornou conhecido pelo seu nome de batismo, José Eduardo Dutra, foi candidato a deputado, governador e em 1994 se elegeu senador da república e seu mandato, politizado, coerente, ético, sério, chamou a atenção do Brasil, dignificou Sergipe e orgulhou os sergipanos que até hoje sentem sua falta. Zé Eduardo ocupou alguns dos maiores cargos da república. Saiu deles como entrou: limpo, digno e de cabeça erguida.
Hoje, 04 de outubro, faz 04 anos que Zé nos deixou. Sergipe e o Brasil perderam um grande homem. E eu perdi meu irmão.