Da burocracia à agilidade: modelo de governança que prepara negócios para cenários imprevisíveis
Em muitos negócios, principalmente familiares e de capital fechado, a governança ainda é tratada como sinônimo de controle e reporte.
Enquanto isso, o ambiente externo acelera: tecnologia, regulações, comportamento de consumo e competição mudam em ciclos cada vez mais curtos.
O resultado, não raro, é paralisia organizacional: decisões lentas, apego a rotinas, dificuldade de inovar e incapacidade de reorientar a estratégia a tempo.
Em suma, este contexto demanda uma reação pragmática: combinar conselho consultivo atuante com governança adaptativa, uma abordagem que mantém os princípios da governança corporativa, mas adiciona flexibilidade, aprendizado contínuo e velocidade para decidir e executar.
Com ampla experiência no ambiente corporativo, atuando como Advisor à frente da MORCONE, tenho auxiliado e orientado empresas, especialmente empresas familiares brasileiras a se estruturarem para chegar aos 100 anos.
Neste artigo, Carlos Moreira fala sobre a importante parceria do conselho consultivo e da governança adaptativa e como as empresas, principalmente familiares, podem se beneficiar disso.
O que é governança adaptativa e por que ela importa?
A governança adaptativa é um arranjo de governança que privilegia agilidade, feedbacks frequentes e ajustes deliberados de rota, sem abrir mão de transparência e prestação de contas.
Em vez de estruturas rígidas, cria-se uma cadência que testa hipóteses, monitora sinais e reconfigura recursos conforme o contexto. Em linguagem simples: decidir bem, decidir rápido e aprender sempre.
Para além do setor privado, a importância dessa abordagem já é reconhecida internacionalmente.
A OCDE (sigla em português Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), por exemplo, vem defendendo mecanismos de governança flexíveis e evolutivos para lidar com missões complexas e ambientes incertos, princípios perfeitamente aplicáveis às empresas que enfrentam disrupções constantes
No Brasil, discussões recentes sobre o tema no meio corporativo reforçam que governança adaptativa significa incorporar resiliência dinâmica ao sistema de decisões, em vez de acumular camadas burocráticas.
Conselho consultivo: o catalisador da adaptação
O conselho consultivo é o fórum mais acessível e eficaz para acelerar essa transição em organizações fechadas.
O IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), em artigo publicado em 2024, reforça que o conselho consultivo deve acompanhar desempenho, antecipar riscos e debater temas estratégicos, oferecendo orientação estratégica aos sócios e administradores para fortalecer a governança corporativa
Em termos práticos, isso significa colocar visão externa, independência e diversidade de perspectivas a serviço de decisões melhores e mais tempestivas.
Onde o conselho consultivo faz diferença, na prática:
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Velocidade e qualidade de decisão: empresas que decidem mais rápido tendem a decidir melhor e a apresentar desempenho acima da média. O ponto é reduzir camadas, definir claramente “quem decide o quê” e trazer os dados certos para a discussão;
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Leitura do contexto e do risco: um conselho consultivo maduro atua como radar estratégico, conectando sinais de mercado, tecnologia e regulação aos impactos no resultado da empresa e na sua liquidez, antes que problemas se concretizem;
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Planejamento de sucessão e profissionalização: conselhos trazem método e cadência a temas sensíveis, evitando improvisos que paralisam a companhia quando a mudança de liderança é inevitável.
Sinais de paralisia em ambientes voláteis
Empresas não “paralisam” de um dia para o outro; elas perdem tração aos poucos. Entre os sinais mais comuns:
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Decisões que “não saem do papel”: reuniões que se repetem sem decisões claras, comitês que não têm mandato explícito e pouca disciplina no acompanhamento (follow-up);
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Apego a rotinas: indicadores que medem mais o passado do que o futuro; metas estáticas para contextos dinâmicos;
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Dificuldade de inovar: recursos investidos em várias iniciativas sem conexão entre si, sem definição de prioridades e sem critérios claros para interromper projetos que não trazem resultados.
Para romper esse ciclo, é crucial ajustar a governança. E é aqui que o conselho consultivo ganha protagonismo: ele induz foco, priorização e accountability, criando um “circuito fechado” de decisão–execução–
Governança adaptativa e sucessão: preparando líderes para cenários imprevisíveis
Um conselho consultivo bem estruturado ajuda a formar sucessores com base em critérios objetivos e exposição real a decisões estratégicas. Além disso, o órgão:
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Estabelece critérios de prontidão (competências críticas por contexto);
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Cria trilhas de desenvolvimento conectadas ao plano estratégico;
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Patrocina avaliações 360º e feedbacks estruturados;
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Orquestra a transição com marcos, ritos e salvaguardas de continuidade.
Assim, a empresa deixa de ser refém de modelos ultrapassados e ganha resiliência sucessória, com menor risco de rupturas.
Benefícios de uma governança adaptativa orientada por conselho consultivo
1) Mais resiliência
Em ambientes incertos, resiliência não é “resistir”, é reconfigurar rapidamente, mantendo princípios e propósito. A combinação conselho consultivo + governança adaptativa cria “músculo organizacional” para absorver choques e responder com disciplina.
Apesar de achar que o termo resiliência ainda se encaixa ao cenário empresarial, também gosto de frisar o “comportamento antifrágil” como fundamental no cenário corporativo.
2) Antecipação de riscos
Ao aproximar estratégia, execução e apetite de risco, o conselho consultivo induz controles pragmáticos: menos decreto, mais prática.
O próprio IBGC detalha a jornada evolutiva dos conselhos, do estágio inicial ao maduro, com foco crescente em estratégia, riscos e desempenho.
3) Capacidade de redirecionar sem perder a essência
Governança corporativa eficaz não engessa; ela preserva o que importa (valores, integridade, visão) e muda o que precisa (prioridades, alocação de recursos, portfólio).
Como começar — passos práticos sob medida
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Defina o “porquê” do conselho consultivopor meio de objetivos e questões prioritárias (crescimento, capital, sucessão, eficiência, inovação). O guia mais recente do IBGC (já mencionado neste texto) oferece um roadmap de implementação, com estágios de maturidade e papéis claros.
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Desenhe governança adaptativa “leve, porém suficiente”, estabelecendo cadência (reuniões mensais ou bimestrais), critérios de decisão (“quem decide o quê”), OKRs ou metas trimestrais e um ciclo de aprendizado.
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Componha o conselho por “lacunas estratégicas”e, para isso,busque conselheiros com experiência complementar (setor, finanças, tecnologia, gente & cultura, M & A), independentes e com responsabilidade direta pelos resultados.
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Integre sucessão desde o dia 1, conectando o plano de sucessão à agenda do conselho: critérios de elegibilidade, trilhas de desenvolvimento, governança para transição e comunicação.
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Estabeleça indicadores de aprendizagem e velocidade e, para este fim, além de KPIs tradicionais, monitore tempo de decisão, percentual de iniciativas encerradas por aprendizado e ciclo de realocação de recursos.
Para quem é este movimento?
Embora válido para empresas de qualquer porte, o arranjo conselho consultivo + governança adaptativa é útil, principalmente nos casos de PMEs (pequenas e médias empresas) familiares que já sentiram os limites do modelo de gestão centralizado.
Gosto de defender que a governança corporativa é um meio para a longevidade empresarial e não um fim burocrático.
Conselhos consultivos não são “conselheiros de crise”
A verdadeira força da governança está na capacidade de adaptação com princípios.
Conselhos consultivos atuantes não aparecem apenas “na crise”; são cocriadores de futuro: estabelecem o ritmo, pressionam por prioridades claras, cobram evidências e criam as condições para decidir rápido e bem, sem improvisar a governança.
Em um ambiente de mudanças contínuas, ficar parado também é uma decisão e, quase sempre, a pior delas.
Se a sua empresa reconhece sinais de paralisia, o momento de agir é agora: estruture um conselho consultivo, adote governança adaptativa e recupere a capacidade de competir.
Carlos Moreira - Há mais de 37 anos atuando em diversas empresas nacionais e multinacionais como Manager, CEO (Diretor Presidente), CFO (Diretor Financeiro e Controladoria), CCO (Diretor Comercial e de Marketing). e Conselheiro Administrativo.