Frustração :: Por José Lima Santana
José Lima Santana*

A frente do prédio da Prefeitura Municipal estava cheia de gente. Parecia quase um comício. O prefeito Zeca de Neneca Boca Preta estava amoitado no gabinete. Não se aventurou sair para ouvir a falação de Bertoldo do finado Chico da Mão da Onça, fazendão de gado, no passado. Agora, terra de dar muito milho.
Bertoldo, também chamado Bertô Maluco, estava desmontando a empáfia do prefeito. Tirando dos cachorros para botar nele, Zeca de Neneca. Um apaniguado do prefeito por sua vontade própria ou açulado por alguém da Prefeitura, até mesmo pelo prefeito amoitado, desceu pras bandas do quartel da polícia, em busca de um socorro de valimento, que pudesse botar Bertô Maluco para correr, quem sabia prendendo-o, para, assim, calar a boca suja.
O tenente Álvaro Rocha estava na capital. O sargento Zé Argolo estava numa de suas costumeiras caçadas, sertão a dentro. O cabo Tonho de Flor, na casa da rapariga, no povoado Serrinha. O soldado Vieira, acompanhando o sargento. No quartel, somente o soldado Farias, que não poderia largar o serviço, deixando os dois presos a sós, embora bem guardados por detrás das grades de bom ferro fundido. Então, sem valimento da polícia estava o prefeito.
Bertô Maluco espumava como cachorro doente de hidrofobia. “Saia pra fora, seu desmazelado da peste! Venha ver como um homem não tem medo do seu dinheiro, nem do seu cargo. Grande coisa ser prefeito. É melhor ser corno, que é pra vida toda. Só falta um ano pra você sair daí. Venha, pra eu dizer nas suas fuças o que você fez, que o povo não sabe, que sua mulher não sabe. Venha, se for homem de tinir”.
Qual nada! O prefeito não quis conversa com o seu destratante. A secretária Maria de Rufino teve dois chiliques. E cochichou com o prefeito: “O que será que esse maluco tem a dizer? Sobre nós dois não deve ser. Temos sido muito discretos”. Zeca de Neneca arregalou os olhos. “Não. Nisso, nem pensar. Ninguém sabe nada de nós dois. Alguém pode até maldar, mas certeza ninguém tem. Fique clama. Fique calma”.
O sol subiu no céu. Os ponteiros do relógio da Matriz estavam para se encontrar, na hora do almoço. E Bertoldo do finado Chico parecendo uma boca de autofalante ligada sem parar. Pessoas passavam, paravam, seguiam em frente ou ficavam por ali, doidas para ver um entrevero entre o falador e o falado. Que nada! O prefeito já tinha saído da Prefeitura, pelos fundos, no carro do vereador Robertinho Capivara.
O prefeito era dado a muitos chamegos com mulheres. E tinha lá seus problemas com o dinheiro da Municipalidade, segundo se apregoava em todos os cantos da cidade e do estado. Era bem quisto pelo povo pobre, pois não faltava um frasco de remédio ou uma caixa de comprimidos, com ou sem receita médica. Dava um pouco e com muito ficava, diziam os opositores.
Beirando uma da tarde, Tonho Bispo, fiscal da Prefeitura, comunicou a Bertô Maluco que o prefeito tinha se mandado. Escapuliu. Bertô não se fez de rogado. “Mais tarde, eu volto. Se esse infeliz da costela oca não aparecer, amanhã tem mais”.
As pessoas que se aglomeraram, as que, com certo tempo, se foram, e as que ficaram o tempo todo, queriam saber qual seria a denúncia que Bertô queria passar nas fuças do prefeito. “Deve ser coisa de mulher. Resta saber com qual delas, pois são tantas”, disse Maria das Dores, viúva do padeiro Aristides. “Ou será alguma safadeza com dinheiro, que para isso ele sempre foi muito bom? Quem não sabe das trapicolas de Zeca de Neneca”? – bradou Cosme de Tita, aplicador de injeções da farmácia Brasil.
Bem. Ao menos até aquele instante, ninguém ficou sabendo o que Bertô Maluco queria denunciar contra o prefeito. Frustração.
*Padre (Paróquia Santa Dulce dos Pobres – Aruana - Aracaju), advogado, professor da UFS, membro da ASL, da ASLJ, da ASE, da ADL e do IHGSE.