Como o conselho consultivo fortalece empresas em tempos de incerteza global?
Nos últimos anos, o mundo dos negócios foi reposicionado diante de um tabuleiro global cada vez mais complexo.
Tensões entre grandes potências, rupturas nas cadeias de suprimento e mudanças nas políticas comerciais internacionais trouxeram à tona um conceito que se tornou essencial para as lideranças empresariais: a geopolítica empresarial.
O que antes parecia distante das preocupações corporativas agora está no centro da estratégia.
Conforme apontado no 26º Congresso do IBGC, a interdependência econômica que marcou o auge da globalização vem dando lugar a uma lógica de competição intensa, marcada por políticas protecionistas e disputas por hegemonia tecnológica, energética e territorial.
Com ampla experiência no ambiente corporativo, atuando como Advisor à frente da MORCONE, Carlos Moreira tem auxiliado e orientado empresas, especialmente empresas familiares brasileiras a se estruturarem para chegar aos 100 anos.
Neste artigo, o especialista reflete sobre o fato de que as empresas precisam interpretar não apenas indicadores de mercado, mas também dinâmicas políticas e sociais que impactam diretamente sua operação.
Um novo ciclo global e seus reflexos nos negócios
De acordo com o professor Alexandre Coelho, doutor em Relações Internacionais pelo IRI-USP, em sua participação no 26º Congresso do IBGC, vivemos um “novo ciclo geopolítico” iniciado a partir da crise de 2008.
Para o especialista, de lá para cá, o mundo testemunhou eventos como a Primavera Árabe, o Brexit, a pandemia de Covid-19, as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio e o avanço do populismo em diferentes países.
Cada um desses marcos redesenhou fronteiras comerciais, alianças diplomáticas e fluxos logísticos globais, afetando, portanto, o ambiente corporativo.
A geopolítica empresarial passa, assim, a ser o campo onde as companhias precisam avaliar riscos e oportunidades não apenas sob o ponto de vista econômico, mas também político.
Como ressalta artigo publicado pela McKinsey, as empresas globais estão diante de um teste de resiliência sem precedentes.
Nesse sentido, questões como segurança de dados, dependência tecnológica e concentração de fornecedores exigem hoje decisões integradas entre conselhos e executivos.
O conselho consultivo como orientador estratégico
Em meio a tantas variáveis externas e instabilidades, o conselho consultivo se consolida como um pilar de inteligência estratégica.
Sua função extrapola a supervisão operacional, passa a incluir a interpretação de cenários geopolíticos e a tradução desses riscos em ações práticas de gestão.
Enquanto o conselho de administração tende a focar na governança formal e nas responsabilidades legais, o conselho consultivo tem liberdade para atuar como radar de tendências e catalisador de adaptação.
O órgão traz perspectivas externas, desafia premissas e ajuda a construir resiliência organizacional.
Empresas que possuem conselheiros com visão internacional e experiência em gestão de risco global estão mais preparadas para antecipar disrupções e proteger seu posicionamento competitivo.
Afinal, entender o contexto político e econômico de cada região é crucial para avaliar, por exemplo, a viabilidade de novos mercados, o impacto de sanções comerciais ou as consequências de crises diplomáticas.
Gestão de risco global: uma prioridade executiva
Em momentos de incerteza, a capacidade de leitura geopolítica é o diferencial que separa empresas adaptáveis de empresas vulneráveis.
Para os conselheiros, isso significa incorporar a gestão de risco global à pauta estratégica, não apenas como mecanismo de mitigação, mas como fonte de vantagem competitiva.
Esse olhar integrado permite:
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Mapear cadeias de suprimento críticas e dependências regionais;
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Antecipar impactos regulatórios e políticos sobre mercados-chave;
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Identificar oportunidades de realocação ou diversificação geográfica;
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Reforçar a segurança cibernética e a soberania de dados corporativos.
Na prática, o conselho consultivo torna-se o elo entre a leitura macro do mundo e as decisões micro do negócio. Ele traduz movimentos internacionais em estratégias locais, e vice-versa.
A geopolítica empresarial na governança corporativa
Artigo publicado pela Exame destacou recentemente que “a geopolítica entrou nos conselhos e inaugurou a era do corporate foreign policy. Isso significa que, diante de contextos voláteis, conselheiros são cada vez mais cobrados por conhecimento em diplomacia, economia internacional e segurança.
Essa realidade também tem impulsionado empresas a revisarem seus modelos de governança, incorporando especialistas externos, think tanks (grupos de pesquisa e reflexão estratégica que produzem análises sobre temas econômicos, políticos e sociais) e centros de análise de risco.
Nesse contexto, a tomada de decisão passa a considerar múltiplos cenários e não apenas projeções lineares.
Para organizações familiares ou de médio porte, que muitas vezes carecem dessa estrutura analítica, o conselho consultivo exerce um papel crucial: o de trazer para dentro da empresa uma lente mais ampla e realista sobre o ambiente global.
Empresas que transformaram risco em oportunidade
Um exemplo claro é o movimento de reshoring e nearshoring observado em diversos setores industriais após a pandemia.
Empresas que dependiam fortemente de insumos asiáticos passaram a realocar parte de sua produção para países vizinhos, reduzindo a exposição a tensões comerciais e logísticas.
Essas decisões, muitas vezes orientadas por conselhos consultivos atentos às mudanças geopolíticas, permitiram maior estabilidade de fornecimento e previsibilidade financeira.
Em outros casos, companhias aproveitaram brechas criadas por sanções e restrições para explorar novos mercados ou reposicionar suas marcas como alternativas mais seguras e éticas.
Esses movimentos reforçam um ponto central: a geopolítica não é apenas um fator de risco, mas também uma fonte de diferenciação competitiva para empresas preparadas.
Conselheiros preparados para um mundo regido por incertezas
O novo conselheiro precisa combinar experiência empresarial com visão internacional.
Não basta compreender balanços e fluxos de caixa; é necessário interpretar acordos multilaterais, tensões diplomáticas e políticas de energia e tecnologia.
Segundo o IBGC, conselhos consultivos eficazes em cenários complexos compartilham três características principais:
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Diversidade de perfis e origens profissionais: quanto mais plural for o conselho, maior a capacidade de compreender contextos externos e internos;
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Atualização contínua: acompanhamento sistemático de relatórios de risco geopolítico e fontes confiáveis de inteligência internacional;
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Postura questionadora e analítica: conselheiros não devem apenas validar decisões, mas tensionar hipóteses e testar planos de contingência.
Essas competências tornam o conselho não apenas um fórum de orientação, mas um verdadeiro centro de comando estratégico, capaz de guiar empresas em meio ao caos informacional global.
Conselho consultivo como radar e escudo
Vivemos um tempo em que crises não são exceções, mas parte do funcionamento do sistema global.
Nesse contexto, o conselho consultivo atua como um radar que antecipa ameaças e um escudo que protege o negócio de decisões precipitadas.
Ao incorporar a geopolítica empresarial à sua pauta, o conselho eleva a maturidade da governança e transforma incerteza em previsibilidade.
Em última instância, não se trata apenas de reagir a crises, mas de construir empresas que sejam resilientes, capazes de antecipar movimentos do mercado e se adaptar rapidamente a mudanças globais, garantindo crescimento sustentável e longevidade.
Carlos Moreira - Há mais de 37 anos atuando em diversas empresas nacionais e multinacionais como Manager, CEO (Diretor Presidente), CFO (Diretor Financeiro e Controladoria), CCO (Diretor Comercial e de Marketing). e Conselheiro Administrativo.